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Writer's picturePedro José Roque

A MALA E O TEMPO

Updated: Apr 6, 2021



O tempo é feito de momentos, a sua lentidão ou rapidez é uma questão de pontos de vista questionáveis. Hoje como ontem acontecem milagres nas palavras e momentos trocados com total abertura e autenticidade, cumplicidade e empatia.


As malas, todas elas, carregam pesos, maiores ou menores, e a capacidade de percebermos o outro, de podermos dar ao outro algo depende do que temos em nós para oferecer.

Recordo um dia há mais de 15 anos, quando em Fevereiro de 2006 frequentava um curso de preparação para o CEJ, naquele tempo cheio de promessas, depois de uma aula de processo penal fui desafiado a passar a noite no bairro alto com a Nicola.

A Nicola era uma amiga que conhecera por ali mesmo, cerca de cinco meses antes, com quem me ia encontrando naquelas aulas enfadonhas, e hoje posso dize-lo pouco assertivas.

Além de ser apaixonada por temas astrológicos, o que era sempre meio caminho andado para uma boa amizade, esperava de mim iniciativas que eu não sabia nem podia ter, porque estava preso a medos, a fugir da dor, provavelmente sem olhar para o que era preciso ser feito, colocando betão sobre o que escondia de mim mesmo.

Eu sempre tinha suportado a dor, tempo demais, dois esgotamentos e fuga de realidades que não queria enfrentar, sobre o passado, sobre o que me fazia ter medo de ser congruente e apresentar-me ao mundo.

Mesmo podendo tomar a inciativa e fazer algo diferente fugi do encontro porque num acto falhado me tinha esquecido de uma mala cheia de livros de direito, uma preciosidade para o meu pai, para um eu construído, para um sonho que não era o meu, para uma arrogância que queria ter, que queria tomar.

Porque sou ignorante, arrogante e irresponsável ou e pelo menos o que demonstro quando não sou o que quero ser, mas o que penso que os outros desejam que seja. Sou totalmente responsável pelos meus actos e por isso assumo o que perdi: a mala.


Por essa razão fiz questão de magoar alguém que me queria conhecer, apenas para voltar para a mala que era a minha zona de conforto e segurança.

Quinze anos volvidos encontro o mesmo teste da vida e a resposta é diferente, hoje perdi uma mala mas ao invés de estar recheada dos sonhos do meu pai, estava recheada dos meus filmes predilectos e da minha agenda, essencial para exercer a minha profissão, podia voltar para trás, mas era mais importante ir ao encontro de mim mesmo, e por isso não desisti.


Fui atrás de mim mesmo, daquilo que preciso aprender, testar os meus sentidos, ser mais forte, estar presente, mas não ser ostensivo, dizer sim e deixar acontecer.

Porque naquele dia não ia acontecer nada mais, apenas uma chance para conhecer melhor outra pessoa e saber que o mundo é feito de tempo.

Naquele dia estava perturbado, hoje estou tranquilo, invade-me uma paz imensa, e ao mesmo tempo penso no tempo e no que ele quer dizer.

O Tempo é apenas o que quisermos que ele seja, o que sentimos perante os instantes da vida, apenas mostra como ela é ténue e rara.

Há três meses atrás vi-me numa cama de hospital a contar os dias que poderia ter e fiz uma reflexão acerca do que me faltava viver, tive muitas revelações e uma certeza, não iria deixar de viver, mesmo que doesse muito, porque suporto a dor, porque ela faz parte do meu processo, mas também estou aberto ao que vier por bem.

Ao passar junto à Igreja Matriz de Castelo Branco, recordo o dia em que uma epifania me revelou que teria que ser eu, teria que fazer o caminho e assumir as minhas escolhas, as minhas inseguranças. Só existe um meio, abrir o meu coração, ser sincero, ser autêntico, ser leal e acima de tudo ser livre.

O tempo é o que for necessário, o tempo passa não vou esperar que aconteça, vou fazer acontecer e aceitar o que não acontece, porque as malas e o tempo tem a importância da perspectiva que lhe damos, mas amar-me todos os dias é mais importante.

É preciso deixar nas mãos de Deus, fazer a parte que nos pertence e aceitar com gratidão o que tiver que acontecer.





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